terça-feira, 6 de novembro de 2012

Já é Tarde


Passos insólitos marcavam as ruas daquela cidade, os faróis voltados todos de encontro ao olhar em névoa de Pedro, a frenesi da volta, a ânsia dos que esperaram todo um dia para reiniciar a vida média. Pedro, passos fortes às 18 horas. Um céu negro ameaçava chover com ira, chover e varrer tudo, chover e varrer os taciturnos incômodos que insistiam em não perecer.

Gotas suaves rolaram por aquela face, atingiram aquela boca. O gatilho mordaz da consciência é ativado, Pedro acelera a marcha, quase corre, quase foge. Os carros perfilados param em continência àquela figura; atravessa a faixa, quase foge. As gotas suaves se transmutam, agora já parecem chumbo, chumbo denso, chumbo fosco, chumbo que se infiltra no lusco-fusco do momento, chumbo que se infiltra na alma inatingível de Pedro. A visão mínima,  a audição máxima, os ruídos da água-chumbo que atinge o chão, os ruídos que retumbam.

Pedro adentra um café. Havia um café, um café-destino, um café que desfaria, um a um, os nós daquela vida média. Salvação? Pedro, a pedra do cotidiano! Pede um café, amargo, quase baço. A trivial pedra é golpeada, esmagada, pulverizada pelo café, café-destino, café-insight, lucidez. Agora, contempla em um quadro pintado à mão média, de uma alma média, seu cotidiano próprio. Já é tarde, Pedro é lúcido!

domingo, 7 de outubro de 2012



Paulo,

Gostaria de lhe agradecer pela intensidade da vida, pelo saborear meticuloso de cada pessoa tragada pela sua alma, pelo aspirar em clímax de cada momento, quereria lhe agradecer pela trama amorosa do cotidiano, Paulo, quereria lhe agradecer pelo amor que tem pelo mundo, pelo mundo inteiro, pelo mundo inteiro e você. Desculpa, Paulo, se às vezes eu sofro; desculpa, Paulo, se meu amor pelo mundo inteiro, inteirinho, transborda em torrente por sua cabeça. Perdão, Paulo; perdão pelo sentimento inexato que lhe causo, perdão pelo sentimento isento de tudo, isento de mundo que lhe causo.  Perdão, Paulo. O mundo inteiro lhe assombra nessa juventude passada, nessa juventude pesada demais, mas você sabe, sabe que é melhor ter vivido, vivido pleno, vivido doído, sabe que é melhor ter vivido, mesmo quando viver parece morrer. Perdão, Paulo, por deixar pedaços seus espalhados em frangalhos por essa vida, perdão por lhe fazer viver morrendo, ou morrer vivendo.  Mas saiba, Paulo, saiba que eu lhe amo, amo seu ser, amo ser seu ser.

Paulo

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Revolução



Ventos frios munidos de um sentimento nostálgico cortaram aquela face. O cheiro e o som remanescentes insistiram em revisitar aqueles sonhos, em bater à porta emperrada de uma alma que viveu muito, que viveu forte, que falhou, que desvendou em quase-epifania a falta de sentido universal. A passagem para aquele amargo âmago continuou cerrada, a espera de uma fagulha, um sopro incandescente que pudesse acender um brado de libertação.